10/12/2011

A que hoje faria anos...

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.

Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.

No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.

Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

4 verbalizaram comigo:

Jaque Gonchoroski disse...

Taís, belas palavras da Clarice... Isso me lembra bem aquela história de parar de correr atrás da felicidade, do amor porque quando você pára de procurar ele aparece :)

Beijos!

Taís disse...

É Jaque, lembra isso msm... A Clarice manda bem. Bjos

Vinicius disse...

Taís, me parece que o poema retrata não apenas uma história de amor, mas a imagem fugaz e lenta da metamorfose de uma relação. É um poema bonito e melancólico.

Abraço
obs: eu de meu lado postei um poema do Heinrich Heine (poema que inspirou Castro Alves). Deixo o convite para que você o conheça (caso ainda não o conheça).

Taís disse...

Vinicius: sim, a imagem da metamorfose pela qual passam a maioria dos relacioamentos. Quando o que se tem, embora possa ser muito bom, já não parece o suficiênte.
Vou lá ver o poema de Heine que postou.
Sempre bem vindo.
Abraços